sábado, 21 de maio de 2011

Carta a Jean Martin Ulrico - “neo-puritanismo”.

Carta a Jean Martin Ulrico
por Augustus Nicodemus Lopes

[O Rev. Jean Martin Ulrico é um pastor fictício. A correspondência, por sua vez, se baseia em fatos bem reais]

Meu caro Jean Martin Ulrico,

Somente hoje pude ler sua mensagem. Lamento que os atritos entre você e o Conselho da igreja tenham piorado. Todavia, era esperado que a liderança de sua igreja, bem como grande parte dela, estranhassem as mudanças que você vem tentando fazer no culto nos últimos meses, como fruto da mudança que ocorreu em sua vida depois que você abraçou o “neo-puritanismo”.
É com pesar, Jean Martin, que acompanhei sua adesão gradual a estas idéias nos últimos meses, e as suas tentativas de impor estas idéias em sua igreja, tendo como resultado o atual conflito em que vive. Receio que este conflito venha a minar seu pastorado e prejudicar a boa abertura que você vinha tendo para difundir a fé reformada em sua Igreja.
Eu me recordo quando o termo “neo-puritano” passou a ser usado aqui no Brasil. Acho que você nem estava ainda no seminário. Foi quando um grupo de irmãos reformados passou a defender zelosamente certas práticas litúrgicas que vieram a considerar essenciais para a reforma do culto e da adoração correta a Deus, como a abolição dos instrumentos musicais, corais e grupos de louvor no culto, bem como a abolição de qualquer outro louvor que não fosse os salmos, e de preferência, aqueles metrificados do Saltério Genebrino. A isto, acrescentou-se a proibição da mulher cristã orar no culto e a ensinar qualquer outra classe que não fosse das crianças. Alguns deles chegam a defender o uso do véu ou chapéus por parte das mulheres durante o culto, como em algumas igrejas neo-puritanas modernas em países de fala inglesa. Outros chegaram até mesmo a proibir que a mulher orasse em família, se o marido estivesse presente. Começaram a classificar o culto prestado nas igrejas reformadas e suas co-irmãs como corrompido e desfigurado.
Quando eu escrevi na semana passada que você estava virando neo-puritano, você reclamou, dizendo que rotulações são injustas e cobrou que eu definisse o rótulo “neo-puritano”. OK, vamos lá. Esse designativo surgiu da necessidade de se deixar claro que aquilo que este grupo novo estava disseminando não era a essência da Reforma protestante, e nem mesmo o consenso entre os reformados e antigos puritanos. Era preciso evitar que os sentimentos de forte rejeição aos ensinamentos deste grupo se estendessem às próprias doutrinas da Reforma e descolá-los das grandes doutrinas da graça características da Reforma.
O título “neo-puritanos” passou a ser usado, então, para identificar os aderentes destas práticas como um movimento distinto dentro das igrejas reformadas, que, por um lado, quer ter ligações com os antigos puritanos – no que os reformados em geral concordam –, mas que, por outro, representa o ressurgimento das práticas de alguns grupos radicais de entre os puritanos. Ou seja, elas nunca foram consenso entre eles e nem foram jamais aceitas por denominações presbiterianas e reformadas ao redor do mundo. Quando muito, está restrita a algumas pequenas comunidades reformadas na Europa e nos Estados Unidos.
Eu sei que nenhuma rotulação é boa, mas às vezes, infelizmente, acaba se tornando útil. A utilidade neste caso foi de permitir que se diga “sou Reformado, porém, não sou neo-puritano”. Também estou ciente de que você e outros rejeitam veementemente esta rotulação e não se entendem como tais. Antes, se vêem como os verdadeiros presbiterianos, estando todos os demais errados, inclusive aqueles que comungam com vocês de posições teológicas bíblicas e conservadoras, o que torna o diálogo e o esclarecimento das idéias ainda mais difícil. Eu mesmo tenho um bom relacionamento com vários destes irmãos neo-puritanos, mas tenho experimentando esta dificuldade.
Não nego, meu caro Jean Martin, que você está correto em vários pontos. Concordo com você que igrejas reformadas e denominações históricas no Brasil têm admitido no culto a Deus elementos estranhos às Escrituras e tornado este culto em um exercício antropocêntrico. Também concordo que é preciso purificar o serviço divino destes acréscimos humanos. Você também está certo quando me lembra de nossa herança puritana. É fato histórico de que a Confissão de Fé de Westminster, adotada como padrão doutrinário por todas as igrejas presbiterianas do mundo, foi escrita pelos puritanos. Todavia, pondere no que vou dizer em seguida.
Primeiro, lembre que o Brasil, infelizmente, ainda está longe de conhecer a Reforma protestante e suas principais doutrinas, resumidas nos solas ou nos cinco pontos do Calvinismo. Se em vez de pregar estas idiossincrasias de alguns grupos puritanos, e em vez de querer impô-las em sua igreja, você tivesse se concentrado em pregar as grandes doutrinas da graça, prestaria um enorme serviço ao Reino de Deus. Como está, infelizmente, você só conseguiu provocar polêmicas, discórdias e dissensões dentro da sua igreja, criando uma eclesiola in eclesia (igrejinha dentro da igreja).
Segundo, não esqueça que você é pastor de uma denominação (a IPB) que adota decisões de seus concílios como regra para todas as igrejas e membros. Há muitas decisões da IPB que deixam claro que a denominação aceita corais, orquestras, instrumentos de música, o ministério não-ordenado das mulheres, o cântico de hinos e outras composições, as celebrações das datas do calendário eclesiástico. Em e-mails anteriores, você reclamou de pastores e presbíteros liberais e pentecostais dentro da IPB que não honram os votos que fizeram na ordenação, quais sejam: aceitar a Confissão de Fé de Westminster como fiel exposição da Palavra de Deus, aceitar o governo da IPB, sua constituição e Princípios de Liturgia. Todavia, você também jurou aceitar o governo da IPB e sua Constituição, que inclui os nossos Princípios de Liturgia e as decisões dos concílios. Não há uma incoerência nisto?
Jean, meu conselho é que você não vá adiante nessa tentativa de mudar as coisas a ferro e fogo. Se suas convicções o impedem realmente de acatar a liturgia da IPB, trate deste assunto com seu presbitério e busque orientação quanto ao que fazer junto aos concílios. Receba meus conselhos como de um pai – afinal, tenho idade para isto.


Um grande abraço,
Augustus

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com/2010/02/carta-jean-martin-ulrico.html

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